sábado, 10 de outubro de 2009


...os pequnos zumbidores que picavam, picavam sempre, sem parar.
-Pronto. - murmurei, enquanto procurava equilibrar-me sobre o pedaço ridículo de terra seca. Certamente que ele não estava à espera que eu saltasse dali para além? Era muito longe; não era justo. Eu não podia saltar aquilo. Se, ao menos deixasse de chorar; se parasse... Olhei, com atenção, para a frente, à luz cada vez mais fraca. No outro lado daquela vasta extensão de lama negra, ele parara de andar. Estava muito quieto e pressenti que tinha os olhos fechados. Estava a dizer qualquer coisa, mas eu não lhe conseguia ouvir as palavras. Era demasiado longe. Aterraria na lama a meio caminho, o pântano engolir-me-ia e estaria tudo terminado. A minha garganta estava seca, o meu corpo encharcado de suor. A minha cabeça latejava. Não consigo... não consigo. Então ele falou de novo e eu ouvi-o.
-Ainda estás aí?
-Estou aqui. Mas acho que não consigo...
-Preciso de ajuda. Mãos. Não consigo segurar.
Ele não podia deixá-lo cair. Não podia. Certamente que não tínhamos chegado tão longe para nada.
-Estou a chegar - disse eu e saltei, forçando o meu corpo a atravessar aquele espaço impossível. Aterrei ligeiramente antes da ilhota seca onde ele estava, os meus pés afundando-se na lama mole, o meu corpo estatelando-se para a frente no solo coberto de erva. Agarrei-me desesperadamente à folhagem, enquanto sentia as garras vorazes da lama em redor das pernas, puxando-me. Soluçava, contando a pequena história angustiada, como o mundo ficara subitamente diferente e como queria que ele o tornasse melhor, agora, já, por favor. O meu rosto contraiu-se de esforço enquanto as minhas mãos agarraram e despedaçaram as folhas molhadas e então, com um som decididamente desagradável, a lama possessiva largou-me. Esbracejei, afastei-me da margem e pus-me de pé diante dele. A luz quase desaparecera; mal via o rosto que estava à minha frente.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009




Taçaram e traçam-se traições.
(monstros crescidos)

sábado, 15 de agosto de 2009


Em sala de madeira, em plateia de esquerda, de piano em mãos tilintadas, assola-se ao vazio da interioridade de um eco egoísta e nós, aqueles que murmuram de joelhos dobrados, em boca calada, queixo desleixado ou em olhos dançantes e sentados, pregamos ao vazio; o assombrar dos risos que sobrevivem aqui e ali e ao em ébano, também, são em prego ao nada de um sussurro. E nestes, estes dias, em que o sol se encadeia em tamanha lugubridade, ao som destas melodias em madeira, aprendemos que as idades de tamanha maturidade – na sua humildade crescida – em que a voz batida, se queda juvenil na assaz infelicidade; da caixa de madeira, tão fria e desacordada, por tudo, em tanto, em acorde com o sol e os murmúrios, se sente, por todos, em opaco. E hoje, só hoje, digo-vos a todos o adeus em nostalgias de despedida. A despedida da qual nunca me vou despedir, pois é para o eterno – porque de mim, apenas há em sentido e não em palavras, que a muda voz, singela, a pedir acudo, proclama, no vazio insípido de todos nós por hoje, só hoje, sentido. E a união, que nunca se uniu, sente-se num olhar momentâneo, débil, que, por um, dois estrados de tamanha finitude, alberga a imensidão dos sentimentos – de pessoas – por um momento que todos nos esquecemos, a um canto, de um dia, só um dia, em que se amou verdadeiramente, como o som ama o silêncio.

O regozijo, da vida e dos sonhos - da melodia da vida.


“I tried to stay away, you know, just in case. But I've come to realize we all have our place - time has a way to make it clear - and I have my role in this, I can't disappear.”

quinta-feira, 23 de julho de 2009

+19 +1 -1 ?


Seria de mau passar por ti e sentir que nada se passou, o que, sem efeito algum, passou, mas tu confinado estiveste a um espaço que algumas pessoas chamam de mente – espaço infindável, no entanto.

Mas a verdade é que não seria mau de todo, sempre, passar por ti, e saber-te o que realmente eu sinto, que não é nada – saberás tu nunca –, se não mais que um sorriso sentido por mim, omitido no meu platonismo em segredo de quase todos e de especialmente de ti. O facto de ter sido deixada no crepúsculo, não por vontade tua, nem cobardia minha, ajudou-me a apoiar nos meus próprio pés – os meus fundamentos –, algo que não muitas vezes consegui. Passar por ti e sorrir-te, deixar-te-ia numa situação complicada, sem nada mais a pensar que eu seria um monstro mutável; passar por ti e sorrir-te e agradecer-te seria, da tua parte, ainda menos compreensível, dirias, até, tenho a certeza, que seria um néscio – que é, com efeito, o que eu, ou qualquer outra pessoa consideraria, talvez; alguém passar por mim e agradecer-me enquanto, a mim, essa pessoa fora fantasma ou figurante.

Talvez, sim, não me teres visto a sair da penumbra, da tua sombra que vi, que vira tantas vezes no rosto, essas trevas – feições – que conheci tão melhor que muitos e poucos, foi-te dissentindo e a mim, axiomática; uma apatia inerte aos teus sentidos mudos, aos meus passos largos. Seria por isto que te sorrio, com uma doce reminiscência a nada; não porque não te fui o ninguém que fui, mas porque apesar de ter caminhado a teu lado – o teu reflexo –, fiquei sempre na sombra dos meus sentimentos, os que não te soube sentir, dizer, e os que não soubeste existir – os teus dissentimentos.

Hoje, e sempre que poder, sorrir-te-ei, agradecer-te-ei com um sorriso honesto – o sorriso que nunca verás –, não porque já não quero nada, o nada que já não tenho, mas porque sim, representaste em mim, sem nunca saberes e sentires, o direito que tive de andar na tua sombra brilhante, sempre na tua penumbra, não na tua tão ignorância, mas no teu silêncio – o que amei verdadeiramente, a única coisa que realmente tivemos –, um sentimento que nunca soubeste, nem que eu existi.

sexta-feira, 17 de julho de 2009


Eu não acredito no destino, por razões pessoais e por razões simples; dizem que o destino traz as pessoas, então porque as leva de nós? Ver um amigo ou um amante, um amor a ir-se embora para nunca mais voltar – sem nem sequer querer entrar nas questões da vida e morte; os sentimentos que nunca foram ditos, nem muitas vezes sentidos. Não, recuso-me a aceitar tal barbaridade; nós construímos o que nos rodeia; as pessoas que nos rodeiam, por vezes somos fracos, ficamos no silêncio sem ser capazes de pedir socorro, ‘fica comigo’, ou simplesmente ‘preciso de ti’. Tomamo-las como garantidas, mas eu sou demasiado fraca para balbuciar essas palavras; eu preciso das pessoas, mas preciso ainda mais que precisem de mim, útil nos sentimentos. Eu sei que no fim de tudo, qualquer frase, olhar é um ardor. Eu não quero que ninguém me deixe, ninguém; mas não consigo sentir se não houver algo recíproco, natural, culminado.
"time ain't gonna cure you; time don't give a shit. six kinds of glue won't hold me"

domingo, 12 de julho de 2009


Cheira a sangue. Cheiro nefasto de carne morta, jazida em poça escarlate, brilhante e viscosa, chorada de lágrimas sangrentas, essas que disturbam o zumbido das moscas que esvoaçam por entre tanto festim à Morte ainda fresca. Cheira a morto, odor de carcaça já arquejada por necrófagos a uma refeição sem dignidade, cheira pois deles pouco importam, se não mais indigno fora quem morreu. Eu cheiro a sangue, não desse que pulsa vivo nas veias de uns sortudos, mas sim esse que se derrama despreocupado pelo chão de lama cruenta em sol caliginoso. Cheiro de massacre; ditas horas em fragrâncias sujas de sangue, de aroma infectado dos sentidos nasais como ódio à sanidade, em tremor à luz caliginosa. É de trevas dissentidas este funesto horror, este que traz da carcaça gélida arrepios à pele, ou por medos afligidos aos olhos atónitos de quem ousa fitar o esqueleto corpóreo de alma pestífera. Afiz-me a este cheiro moribundo, este que agora é terra certa, que resta em ouvidos da Morte afeita; esta nova situação, meia concreta agora dita ou desdita fora, ou teria sido o almejo a uma ilusão contrária, sobejo de alento fingido meu.


"time ain't gonna cure you; time don't give a shit. Six kinds of glue won't hold me"

sexta-feira, 3 de julho de 2009


Aprendi a respirar a Morte; certeza minha, em cada vez mais dias passados esta minha dor, esta que cresce insuportável, e de certo mais indescritível. Cada dia que nasce sempre mais caliginoso que ou outro passado, será falta de forças para manter as pálpebras em estado, serão trevas imanentes vincadas à alma bolorenta, é uma escadaria cronometrada, um passeio infernal até ao momento fatal. Das poucas vezes, certamente que serão poucas as vezes que realmente abro os olhos, e das poucas vezes também em que me deixo deambular pela minha busca do infinito, a hora da minha morte é sempre implacável – ferrar metálico das oito e cinquenta e cinco da manhã. Leito macabro ao rumo do meu suicídio ressuscitado, desorientar-me do meu infinito infectado por desejos de fugas cruentas, é ver-te e deveras mortal. Os extremos emotivos, esses que só remam no meu sangue mesmo que à deriva, trazem-me ressuscitada à vida apenas por um alento. A máxima de regozijo é certamente sobreposta (ou simplesmente clarificada) ao almejo da jocosa Morte sorrida. O escarlate que me trazes a pulsar de novo é um tumulto de um segundo caminhante; irrompido e colérico pelo apunhalar que me fazes sentimental, anestesiada e capaz de me organizar num triz, devolves-me à dor a que me afiz. Ver-te é voltar à vida, da certeza incerta de algo que nem sei se creio concreto, suspiro para descanso de algo que não sei descansar; os dias que se arrastam cada vez mais penosos pelo sangue que me foge dorido pelas entranhas aturdidas acrescem à minha dificuldade de respirar. Olhar-te perdida do meu fitar infinito, significa expirar a Morte que só me deixas nos meus tristes desejos; significa voltar à vida da causa desdita que cresce mais pregada à minha alma quebrada, assim acomodada ao ar que respiro venenoso; bafo apodrecido de alma fraquejada que eu morro todos os dias, apunhalado pela tua ilusão crespa. No fim, de uma forma muito trocista, a Morte devolve-me o coração condescendentemente, cada vez sempre mais desfalecido de dor, a minha dor que cresce insuportável, só para me ver a morrer no novo dia que surge mais atro que hoje.
"time ain't gonna cure you; time don't give a shit"

quarta-feira, 17 de junho de 2009




Estou, decreto com todo o vigor pouco que me resta, harta, farta de isto tudo! Deste lugar que criei aqui, os meus desabafos árduos que não consigo ler sem expirar suspiros em desalento. Este livro aberto que deixei aqui, perdido que encontro poucas vezes é, e não digo isto tão dispensada de pensamentos, algo que não me deixa feliz. Fulminam-me, os outros e vocês, perguntas à queima-roupa de quando é que deixarei de viver incrivelmente atormentada, quando é que vou embarcar nos auto-intitulados de normais. Pois mal, é inevitável a aqueles que perfazem o meu círculo diário saberem que penso pouco; de mais, será natural que tudo o que faça seja somente pensar, absorta de muito e todos, encolerizada; uma má equação de, avançam eles, não ser equilibrada. Correctíssimo seria dizer que me fazem feita de algo que não sou afeita, correctíssimo sim, mas então de que me serve não poder usufruir dessa fama? Os olhares atrozes dos de mais perto e, pior muito, dos que se distanciam longe, sem qualquer relevância a mim fazem-me somente pensar. Que poderei eu, esta aversão que não consegue ser o que pensa, fazer sobre os outros? De mais, sobre ti! Sim, tu, essa sombra de chuva que cheira a vazio; sim, hoje olhei-te nos olhos e tu simplesmente desviaste-mos, que mais posso fazer se não pensar? Dizem, anunciam, proferem que penso demasiado sobre a vida, mas como posso eu não pensar se a vida só me dá para pensar; os pequenos trechos diários que deveriam ser a gula de felicidade são torpes. O meu mal, teimo eu, é que, repetem vocês, acostumei-me a algo de mim, que pensei superar, mas afinal é só a fachada, porque a súmula má, a essência podre continua lá, e os olhares de soslaio continuam cá. Sabem, somente porque faço muita questão de deixar isto aqui prescrito, porque razão é que deixei este livro aberto a todos, como um livro de uma biblioteca à consulta livre de quem quiser e interpretar? Claro que não sabem. O que mais instigo fazer de mim é mirar, observar, atentar na vida, nos outros – e pouco me preocupo com a vossa má interpretação disto, estou, e repito, farta! –, respirar os pequenos gestos dos outros, as cadeias inter-sociais que tantas vezes te levam a ti! – e a frivolidade da sempre tua ignorância –, os pequenos actos de carinho, vícios e valores. É dado a isso que, apesar de não gostar que me olhem com, ou sem tento, deixo este livro aberto, porque talvez haverá alguém – e nuns sonhos afrontados, tu – veja isto, me tente interpretar como eu ferro a tal nos outros. No fim, sim, o fim que quero tornar claro! Pois ameaço com certeza casta que este será a última entrada do ninguém que fui!; poeira que fui e deixei aqui, que, aqueles que me souberam, estão enterrados já jazidos.Quando, enfim, digo estou farta é porque não vivo a fama que me dizem acusada; se a viver, serei irritada, ou, novamente, a má mistura que sou sempre. Mas, e digo isto à deriva – quase em prol – de todos os meus verdadeiros medos que quero desistir, que me deixem em paz se não querem nada platónico de mim, afinal, sou só um pensamento, grande e feito, atroz, destinado a um sobejo olvidado.E se pudesse, assegurem que se me deixasse, mandava-vos a todos para um sítio especial, e a ti especialmente, tal como eu hoje fui no teu olhar.

segunda-feira, 4 de maio de 2009


Perco-me por sempre que te encontro. E por fôlego no peito jazo, por isso, agora ao sol-pôr, desistida de procurar, conhecer, saber; mitigarei o meu respirar se de mim, abandonares e fabulares que de ti, atenta; o silêncio das minhas palavras, somente quedadas, absortas, vão proferindo taciturnamente todos os meus olhares emudecidos e desabafados.
A verdade é que eu não estou bem, duelo todos os dias ao acordar e ao deitar com um monstro dentro de mim, uma desilusão que faz parte da vida tão humana; aceitá-la significar por fim, admitir que tudo isto, esta pseudorealidade na qual deambulo e inquiro não passou de mais nada que um singelo mas axiomático fracasso. Aceitar esta aberração que tenho no meu pensar e sentir significa o fim – e apesar de todos enaltecerem que sou dramática (e eu sabe-lo num nível mais elevado) –, custa saber que ninguém percebe isso. Os que percebem, poucos, essenciais ao meu ser, tentam com esforços imanentes animar-me com sorrisos, abraços, presenças, existências. Mas por desalento, admito que não redime os meus agouros como algo que melifluamente passa à história, embora esboce sempre, mesmo que momentaneamente, um sorriso. Não obstante, eu não esqueço o que as pessoas me dizem: cada palavra, cada olhar, respirar, bocejar e acho que isso é um dos meus maiores defeitos (entre tantos outros) que por ligar facilmente a assuntos pequenos, me firo facilmente com o mundo exterior, e acho que é isso que na maioria fulmina isto, o que se passa dentro de mim. Tudo o que fazemos é motivado por razões extrínsecas a nós, mesmo que digamos que seja por um intuito intrínseco, acho que é culminado, forçado por razões exteriores (eu sempre disse que os outros são o único caminho para melhor nos conhecermos e melhorarmos); pelo menos os meus medos são todos variações do meu mundo orbital. E um dia, tão cedo como agora, sei que tudo vai acabar, este meu fracasso é por fim um dogma, e verei tudo a ir-se embora, por me ferir a mim e aos outros. Ver que tudo – não o que construí, pois isso já ruíra – jaza afastado, sem conseguir perceber porquê – e sem conseguir perguntar –, mas, afinal, diz-se que é a lei da vida (da sociedade, e da mente). Pois mal, é como eu disse, isso faz de mim uma fracassada da vida porque na única última oportunidade tudo se escapuliu fugazmente, e as memórias – a única coisa que realmente temos – é uma porta para uma dor eterna, porque no fim, somos sempre todos esquecidos, abandonados com lágrimas de ópio. Em fim, este monstro que um dia debatera em terras passadas, controla a verdade: que todas as pessoas que nos são essenciais (de uma forma ou de outra) vão embora, descaradamente (sem saberem), num silêncio sem nunca saberem que a mim foram fulcrais e sem lhes poder dizer (de modo a que percebam) que o foram. É isto.



domingo, 12 de abril de 2009


Estou num embaraço de situações às quais nunca me quis confinar.
Sempre vivi no meu cantinho dos sonhos, mesmo à berma a sociedade, no limite ( daí talvez a minha instabilidade ) da realidade, onde, se me fazia sofrer, bastava saltar a linha (aquela ténue linha invisível que acabou por me estrangular) e todos os problemas eram esquecidos, postos de lado. Neste mundo de oneiromanias, podia transformar as pessoas à minha maneira: a escárnia; o ódio; a amizade e todos aqueles sentimentos que mesmo considerados bons ou maus se cravam no meu coração incessantemente. Ora, com tanta dor, ficamos viciados na mesma, escondida por detrás daquilo que são as minhas oneiromanias, agimos como se nada fosse e, teimosamente, todas as pessoas esperam que sejamos quem éramos. Não há mal nenhum nisto, mas o facto é que cansa. E cansa ainda mais não haver ninguém para reparar no nosso esforço de continuarmos a teimosamente sermos quem acostumamos ser para nao termos que ouvir as incessantes e corridas perguntas de bem estar, ou a marginalizarem-nos (e auto-marginalizarmo-nos) de tal modo que confinamo-nos a um canto em que não temos paciência nem para nós nem para os outros, e daqui ressaltam aqueles olhares de preocupadamente despreocupados. Aos olhos disto, como posso eu ter um momento para estar minimamente cansada da minha vida pessoal; da minha extra pessoal (a vida que me incutem); das minhas oneiromanias; da escola, das pessoas, em suma, de mim. Estou no limiar a tentar saltar, e de um lado tenho um fio, o fio que me liga a este mundo crasso (mas o único caminho para a felicidade-ou aquilo que consideram felicidade), e ter tantos caminhos de já tanto fio a ligar-me aos sonhos, caminhos estes que cada vez me tive que isolar; lá ficaram. como uma marca de que o passado nunca esquece. caminhos estes, onde caio sempre e me estrangulam, talvez não me querem deixar sair-uma auto-defesa pseudo-psicológica. Mas tenho tanta pena, porque o mundo não espera ninguém. E eu só sei esperar, talvez por ser tão irritantemente passiva no que toca a sentir. Sentir na escuridão e esperar por qualquer oportunidade. Mas sempre que a há, só vejo aquilo que nunca quis reter e voltar a ter. Um novo caminho para a oneiromania. E então, assim, socumbo-me às trevas e aos risos malévolos, a esperar que haja, um dia, quem nao se lembre de mim sem me ter esquecido. Talvez assim aprenda. E talvez seja por isto que te sorrio, com uma doce reminiscência a nada; não porque não te fui o ninguém que fui, mas porque apesar de ter caminhado a teu lado – o teu reflexo –, fiquei sempre na sombra dos meus sentimentos, os que não te soube sentir, dizer, e os que não soubeste existir – os teus dissentimentos. Hoje, e sempre que poder, sorrir-te-ei, agradecer-te-ei com um sorriso honesto – o sorriso que nunca verás –, não porque já não quero nada, o nada que já não tenho, mas porque sim, representaste em mim, sem nunca saberes e sentires, o direito que tive de andar na tua sombra brilhante, sempre na tua penumbra, não na tua tão ignorância, mas no teu silêncio – o que (te) amei verdadeiramente, a única coisa que realmente tivemos –, um sentimento que nunca soubeste, nem que eu existi.
Aprenderei eu o meu lugar e não sairei dos meus limites. Já sonhei demasiado.
Não.

quarta-feira, 1 de abril de 2009


Herdei-o bastardo à minha Memória. Isto repetia-se na minha mente, incessante e meticulosamente, como as ondas do mar que batem fatais em sete e sete tempos. E isto repetia-se na minha mente, não pelo mar salgado que ia percorrendo só frio e azul pelas minhas pernas, nem me afundando a cada pé cada onda que menos do meu fatigante mar me ia avançando lassamente. E isto repetia-se na minha mente, não por gota de chuva que ia caindo languidamente, nem por pingo que ia jazendo pela areia verticalmente, nem por corpo meu indolente quedado às nuvens enfadonhamente, nem por sol meio adormentando meio suspirando um ocaso de só cerúleo poente. E isto repetia-se, só na minha mente: de herdeiro o tornei, de bastardo que é, ao meu pensamento e gentes e terras de minha Memória vilmente. De bastardo, tudo irá tendo, pois de sangue prenhe de mães e pais vão sendo diferentemente, pois que gentes de mãos sujas e olhares de descombino vão nadando à luz de quem tem envaidecendo em pouco nada ou em nada somente. E isto, ia-se repetindo assim pela minha mente, não longe do marulho indo afogando, nem da chuva indo gotejando também certamente. Essas mãos sujas de ventre sanguinolento que o vinham trazendo à vida, essas mesmíssimas que ainda o vão segurando por mundano, são somente e só elas que nos vão trazendo e desconhecendo. Essas mesmas imundas de glória e deleite, de folia de quem partilhara sangue em sangue novo, vão se limpando no turvo agora do meu mar densamente. E isto repetiu-se sempre novamente. Agora mergulhado pelo oceano que veio avançando ou afogando demoradamente, rescendo bolhas de ar cansado fugindo e brilhando no lençol estelante; muito inteiriçado, haja corpo indo lento até submerso e resfriado de sentir, haja Memória que foi vertendo com pupilas distendidas no sangue azul do mar. Se ele fora bastardo sendo, pois de certo devendo ter sido sempre, não por não tendo partilhado sangue de ventre nem prenhe mas sim vidas dissonas, agora fora eu me tornando bastarda também concretamente. E isto, findou por fim ou indo em fim na minha mente. Do mar que agora nos era uno, enfim, sujo e imundo de sangue turvo, indo eu olhando o céu estelífero não sendo mais que superfície diáfana do lençol do mar crespando, volvi-me ilegítimo a mim propriamente.
Afinal, o sangue que sempre nos separou era por fim a causa deste, fui-lhe entregando ou corrompendo degeneradamente, sempre ele pouco reconhecido, as minhas próprias Memórias tingidas em culpa dele inocente mas à culpa dele certamente. Pois jazo agora em mar translúcido e opaco desculpado enfim, por ver fim que não o meu e as memórias que nem as minhas, nem as de bastardo herdeiro.

sábado, 28 de março de 2009


É dor, essa de deambular perdida (meia sorrida, meia sofrida), essa que nem sei explicar.
Pois mal, uns tantos que desviam a atenção em soslaio ou piedade, vêm-me transpirada e dessentida, será por calafrio, será pelo que corre nas veias, meio frio, meio fervoroso, desejado de sair para alívio ardente do motor sangrento que corre tórpido. Pois é certeza de quem não a tem que asserto, não muito bem recordada (será resultado de trauma etéreo) no caminho de sentir, que os quantos que me vêm a passar vagada, dizem que ameaço suspirado, de testa crespa, olhos pesados e de cabeça rebaixada, o peso da alma a cada respiro Cruento.

segunda-feira, 23 de março de 2009

11. 03. 2009


Não passava muito da uma e vinte e duas da tarde, mais concreta manhã de um sol que arde meio frio, pelo menos na minha face meia atordoada de pouco sentimento. Passava sim deveras pouco da hora em que muitos já tinham partido, rumo de costas ao mundo, e tu certamente já tinhas, como qualquer pessoa que se ameaça intitular normal, partido também. Passaste por mim, ou passei eu bem por ti, não muito mal recordada, mas passaste-o sempre assaz indiferente; seria desdita incerteza de uma carta que te escrevi em alentos nipónicos, essa que me desfocava do mundo bem aéreo e imparável. Certo será, ou assertado certíssimo sim, no mesmo percurso que os meus pés já fazem sem ordem minha e muito menos noção, mas por vício sabido, passo sempre implacável por esta ponte; será meia artificial, será meia simbólica (ou de água indiferente), não o creio bem. E pela ponte (qual delas à escolha) parei desta vez; foram já as tentações de lhe virar a página muitas, e concretos, poucos os reais pecados de dar o salto. Porém se foi dito que te escrevi uma carta, nessa que já ninguém sabe, li último pela decisiva vez, tudo o que tu és. Hipnotizada do marulho brilhante do sol no rio agora estelante, verti mudo do mundo pouco ou muito importada, suspiros de quem quer um final; não muito sentido, ou deveras não muito afligido, qual fim deles seja o mais opulento e menos dorido. Pouco aquém deste êxtase provocado à luz do Cruento, e não muito menos de tanta simbologia trazida ou inventada também, rasguei as palavras mais sérias que te escondi; em quantos pedaços vinquei cortada a tua carta crespa (ou a que quis de ti feita), para desculpa ou descargo do peso da minha alma que me pesa a cabeça e o siso. Rompi rapidamente e espreitei último, as palavras já meias distorcidas, talvez em espera de que me viesses perguntar por elas ou em espera de poder espirar melhor, amachuquei-as por fim. Quão forte ou lacerada, ou simplesmente demente e pouco espalmada, rezei por entre as mãos (ou no acto de rezar para quem teima acreditar) as pétalas de palavras sadias num silêncio de uma despedida que não era sabida. Estiquei as mãos em braços teimados e fraquejados, não certamente pelo peso de uma folha só massiva, e atirei-a no fervor agora sentido do esquecimento lúcido; franzi os olhos da minha alma ainda pesada (não a consegui apaziguar) e fingi que acreditei em tal triste ironia que me iria curar.

quarta-feira, 18 de março de 2009


De tantas mãos contadas que levei hirtas à testa por ti, quando te encontro sem te procurar, esfrego os olhos e seco o nariz por almejar quedar-te num silêncio mudo. Pois nós, este tu e eu que simplesmente não existe, seremos, vespertinos, as lugubridades da manhã. E por me deixar respirar mais rápido, vivo num alento despercebido, mas são as horas como estas, em que se suspira frio que me relembro que nada, axiomático, irá ciciar alguma vez; e o tempo que se passeia sem se volver, tornará poeira este intervalo de mágoa fabulada, de ilusão mísera mas sagaz. No fim, ermo eu, resta-me admitir que, destinado tu, serás o livro que abro para escrever com desalento, sem querer nunca virar a página, olvidar.

terça-feira, 17 de março de 2009


Não têm de brilhar as chovidas calçadas pelas caminhadas ruas para que o sol de meio-dia seja fulgor e pensante. Nem a tua figura hirta, nem a minha bem desleixada. Não, não passamos mais do que jogos de reflexos e olhares espelhados, perdidos por passos e vidros, de lado a lado ou frente e espelho. Meras sombras que se perderão certamente por aqui e ali, nas tuas só silenciosas passadas.
Caminhemos somente, não haja nada mais como assim deverá ser sempre, caminhemos então, porque eu falo só para mim. Não me ouves nem sabes que sou, nem tens que ouvir nem ser, só ires caminhando por ti...