quarta-feira, 1 de abril de 2009


Herdei-o bastardo à minha Memória. Isto repetia-se na minha mente, incessante e meticulosamente, como as ondas do mar que batem fatais em sete e sete tempos. E isto repetia-se na minha mente, não pelo mar salgado que ia percorrendo só frio e azul pelas minhas pernas, nem me afundando a cada pé cada onda que menos do meu fatigante mar me ia avançando lassamente. E isto repetia-se na minha mente, não por gota de chuva que ia caindo languidamente, nem por pingo que ia jazendo pela areia verticalmente, nem por corpo meu indolente quedado às nuvens enfadonhamente, nem por sol meio adormentando meio suspirando um ocaso de só cerúleo poente. E isto repetia-se, só na minha mente: de herdeiro o tornei, de bastardo que é, ao meu pensamento e gentes e terras de minha Memória vilmente. De bastardo, tudo irá tendo, pois de sangue prenhe de mães e pais vão sendo diferentemente, pois que gentes de mãos sujas e olhares de descombino vão nadando à luz de quem tem envaidecendo em pouco nada ou em nada somente. E isto, ia-se repetindo assim pela minha mente, não longe do marulho indo afogando, nem da chuva indo gotejando também certamente. Essas mãos sujas de ventre sanguinolento que o vinham trazendo à vida, essas mesmíssimas que ainda o vão segurando por mundano, são somente e só elas que nos vão trazendo e desconhecendo. Essas mesmas imundas de glória e deleite, de folia de quem partilhara sangue em sangue novo, vão se limpando no turvo agora do meu mar densamente. E isto repetiu-se sempre novamente. Agora mergulhado pelo oceano que veio avançando ou afogando demoradamente, rescendo bolhas de ar cansado fugindo e brilhando no lençol estelante; muito inteiriçado, haja corpo indo lento até submerso e resfriado de sentir, haja Memória que foi vertendo com pupilas distendidas no sangue azul do mar. Se ele fora bastardo sendo, pois de certo devendo ter sido sempre, não por não tendo partilhado sangue de ventre nem prenhe mas sim vidas dissonas, agora fora eu me tornando bastarda também concretamente. E isto, findou por fim ou indo em fim na minha mente. Do mar que agora nos era uno, enfim, sujo e imundo de sangue turvo, indo eu olhando o céu estelífero não sendo mais que superfície diáfana do lençol do mar crespando, volvi-me ilegítimo a mim propriamente.
Afinal, o sangue que sempre nos separou era por fim a causa deste, fui-lhe entregando ou corrompendo degeneradamente, sempre ele pouco reconhecido, as minhas próprias Memórias tingidas em culpa dele inocente mas à culpa dele certamente. Pois jazo agora em mar translúcido e opaco desculpado enfim, por ver fim que não o meu e as memórias que nem as minhas, nem as de bastardo herdeiro.

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