domingo, 12 de abril de 2009


Estou num embaraço de situações às quais nunca me quis confinar.
Sempre vivi no meu cantinho dos sonhos, mesmo à berma a sociedade, no limite ( daí talvez a minha instabilidade ) da realidade, onde, se me fazia sofrer, bastava saltar a linha (aquela ténue linha invisível que acabou por me estrangular) e todos os problemas eram esquecidos, postos de lado. Neste mundo de oneiromanias, podia transformar as pessoas à minha maneira: a escárnia; o ódio; a amizade e todos aqueles sentimentos que mesmo considerados bons ou maus se cravam no meu coração incessantemente. Ora, com tanta dor, ficamos viciados na mesma, escondida por detrás daquilo que são as minhas oneiromanias, agimos como se nada fosse e, teimosamente, todas as pessoas esperam que sejamos quem éramos. Não há mal nenhum nisto, mas o facto é que cansa. E cansa ainda mais não haver ninguém para reparar no nosso esforço de continuarmos a teimosamente sermos quem acostumamos ser para nao termos que ouvir as incessantes e corridas perguntas de bem estar, ou a marginalizarem-nos (e auto-marginalizarmo-nos) de tal modo que confinamo-nos a um canto em que não temos paciência nem para nós nem para os outros, e daqui ressaltam aqueles olhares de preocupadamente despreocupados. Aos olhos disto, como posso eu ter um momento para estar minimamente cansada da minha vida pessoal; da minha extra pessoal (a vida que me incutem); das minhas oneiromanias; da escola, das pessoas, em suma, de mim. Estou no limiar a tentar saltar, e de um lado tenho um fio, o fio que me liga a este mundo crasso (mas o único caminho para a felicidade-ou aquilo que consideram felicidade), e ter tantos caminhos de já tanto fio a ligar-me aos sonhos, caminhos estes que cada vez me tive que isolar; lá ficaram. como uma marca de que o passado nunca esquece. caminhos estes, onde caio sempre e me estrangulam, talvez não me querem deixar sair-uma auto-defesa pseudo-psicológica. Mas tenho tanta pena, porque o mundo não espera ninguém. E eu só sei esperar, talvez por ser tão irritantemente passiva no que toca a sentir. Sentir na escuridão e esperar por qualquer oportunidade. Mas sempre que a há, só vejo aquilo que nunca quis reter e voltar a ter. Um novo caminho para a oneiromania. E então, assim, socumbo-me às trevas e aos risos malévolos, a esperar que haja, um dia, quem nao se lembre de mim sem me ter esquecido. Talvez assim aprenda. E talvez seja por isto que te sorrio, com uma doce reminiscência a nada; não porque não te fui o ninguém que fui, mas porque apesar de ter caminhado a teu lado – o teu reflexo –, fiquei sempre na sombra dos meus sentimentos, os que não te soube sentir, dizer, e os que não soubeste existir – os teus dissentimentos. Hoje, e sempre que poder, sorrir-te-ei, agradecer-te-ei com um sorriso honesto – o sorriso que nunca verás –, não porque já não quero nada, o nada que já não tenho, mas porque sim, representaste em mim, sem nunca saberes e sentires, o direito que tive de andar na tua sombra brilhante, sempre na tua penumbra, não na tua tão ignorância, mas no teu silêncio – o que (te) amei verdadeiramente, a única coisa que realmente tivemos –, um sentimento que nunca soubeste, nem que eu existi.
Aprenderei eu o meu lugar e não sairei dos meus limites. Já sonhei demasiado.
Não.

quarta-feira, 1 de abril de 2009


Herdei-o bastardo à minha Memória. Isto repetia-se na minha mente, incessante e meticulosamente, como as ondas do mar que batem fatais em sete e sete tempos. E isto repetia-se na minha mente, não pelo mar salgado que ia percorrendo só frio e azul pelas minhas pernas, nem me afundando a cada pé cada onda que menos do meu fatigante mar me ia avançando lassamente. E isto repetia-se na minha mente, não por gota de chuva que ia caindo languidamente, nem por pingo que ia jazendo pela areia verticalmente, nem por corpo meu indolente quedado às nuvens enfadonhamente, nem por sol meio adormentando meio suspirando um ocaso de só cerúleo poente. E isto repetia-se, só na minha mente: de herdeiro o tornei, de bastardo que é, ao meu pensamento e gentes e terras de minha Memória vilmente. De bastardo, tudo irá tendo, pois de sangue prenhe de mães e pais vão sendo diferentemente, pois que gentes de mãos sujas e olhares de descombino vão nadando à luz de quem tem envaidecendo em pouco nada ou em nada somente. E isto, ia-se repetindo assim pela minha mente, não longe do marulho indo afogando, nem da chuva indo gotejando também certamente. Essas mãos sujas de ventre sanguinolento que o vinham trazendo à vida, essas mesmíssimas que ainda o vão segurando por mundano, são somente e só elas que nos vão trazendo e desconhecendo. Essas mesmas imundas de glória e deleite, de folia de quem partilhara sangue em sangue novo, vão se limpando no turvo agora do meu mar densamente. E isto repetiu-se sempre novamente. Agora mergulhado pelo oceano que veio avançando ou afogando demoradamente, rescendo bolhas de ar cansado fugindo e brilhando no lençol estelante; muito inteiriçado, haja corpo indo lento até submerso e resfriado de sentir, haja Memória que foi vertendo com pupilas distendidas no sangue azul do mar. Se ele fora bastardo sendo, pois de certo devendo ter sido sempre, não por não tendo partilhado sangue de ventre nem prenhe mas sim vidas dissonas, agora fora eu me tornando bastarda também concretamente. E isto, findou por fim ou indo em fim na minha mente. Do mar que agora nos era uno, enfim, sujo e imundo de sangue turvo, indo eu olhando o céu estelífero não sendo mais que superfície diáfana do lençol do mar crespando, volvi-me ilegítimo a mim propriamente.
Afinal, o sangue que sempre nos separou era por fim a causa deste, fui-lhe entregando ou corrompendo degeneradamente, sempre ele pouco reconhecido, as minhas próprias Memórias tingidas em culpa dele inocente mas à culpa dele certamente. Pois jazo agora em mar translúcido e opaco desculpado enfim, por ver fim que não o meu e as memórias que nem as minhas, nem as de bastardo herdeiro.